Falta de comida é pior em casa com crianças: “Meus filhos só comiam miojo”

Confira matéria veiculada pelo portal da UOL com a participação do CREN

Dos 216 milhões de brasileiros, 64 milhões viviam com algum grau de insegurança alimentar em 2023, o que representa 29,6% do total. O número é melhor que o da pesquisa anterior (2017/2018), quando 36,7% da população vivia em insegurança alimentar, mas ainda é maior que os 22,6% registrados em 2013, ano do melhor resultado da série histórica. A dificuldade em colocar comida na mesa é maior nos lares com crianças e adolescentes.

 

O que aconteceu

O IBGE divide os lares entre aqueles com segurança e insegurança alimentar. As casas com segurança alimentar têm acesso regular a comida em quantidade e qualidade nutricional suficientes. Já os domicílios com insegurança alimentar são divididos em três categorias:

Leve: incerteza sobre acesso a comida
Moderada: redução da comida entre adultos
Grave: redução da comida também entre crianças

Crianças e adolescentes geram gastos e nenhuma renda. “Eles precisam de roupas e calçados e comem mais por causa do metabolismo em alta”, diz Maria Paula de Albuquerque, pediatra e nutróloga do Cren (Centro de Recuperação e Educação Nutricional).

Já entre os idosos, a aposentadoria muitas vezes é a renda principal para o acesso de famílias inteiras a alimento.

Maria Paula de Albuquerque, pediatra e nutróloga

“Só tinha miojo e salsicha”

Sem dinheiro, mãe alimentava seus cinco filhos com ultraprocessados. Beatriz Monteiro dos Santos, 32, foi trabalhar em um ferro-velho quando se mudou da Bahia para São Paulo, em 2018. Morando com o marido e os cinco filhos em um cômodo cedido por um tio, o dinheiro que recebia na época só comprava alimentos ultraprocessados, mais baratos e de baixo valor nutritivo.

“Como eu trabalhava o dia todo e ganhava mal, alimentava meus filhos com bolacha recheada, miojo e salsicha. Era mais rápido e barato.”

– Beatriz Monteiro dos Santos, mãe

O colesterol de um dos filhos disparou, enquanto outra criança tinha problemas para crescer. Foi quando ela conheceu o Cren. “Aprendi nas oficinas de comida saudável a importância dos vegetais”, diz.

 

Quando faltou dinheiro, ela reduziu a própria comida para comprar verduras para os filhos. Hoje, Beatriz trabalha na horta do Cren e leva pra casa uma cesta com verduras, como alface, couve e coentro. “Minha situação melhorou, mas conheço muita gente que precisa de comida e orientação.”

A insegurança alimentar também é maior nas casas com muitos moradores. Apenas 0,9% dos lares com sete moradores ou mais tem comida suficiente em quantidade e nutrientes, número que chega a 75% naqueles com até três moradores.

Mulheres, negros e pobres

Casas chefiadas por mulheres são mais vulneráveis. Elas são responsáveis por 51,7% dos domicílios brasileiros, mas 59,4% deles vive com insegurança alimentar moderada ou grave. Já nas residências em que o homem é o principal provedor (48,3% delas), a insegurança alimentar não passa de 40,6%.

“As mulheres ganham salários menores para as mesmas funções que os homens e ainda têm dupla jornada.”

– Maria Paula de Albuquerque, pediatra e nutróloga

Nas casas com moradores negros, a insegurança alimentar é mais de duas vezes a de famílias brancas. Enquanto a dificuldade de conseguir comida atinge 69,7% dos lares de pretos e pardos, o índice é de 29% entre os brancos.

Oportunidades de estudo fazem diferença

Criança trabalhando em um farol; pouco estudo agrava a insegurança alimentar

Alimentar-se bem e em quantidade suficiente é mais fácil nas casas em que o responsável terminou a faculdade. Só 7,9% desses domicílios enfrentam insegurança alimentar, índice que sobe para 44% nos lares em que o responsável não tinha instrução ou ensino fundamental incompleto.

Com menos estudos, a renda cai e a alimentação piora. Em metade dos lares com insegurança alimentar moderada ou grave, o rendimento domiciliar per capita era inferior a meio salário mínimo, o equivalente a R$ 660 em 2023. Em 24% dessas casas, a renda per capita era era de até R$ 330, ou um quarto do salário mínimo no ano passado…

Pesquisa anterior do IBGE comparou os rendimentos de acordo com o nível escolar. Enquanto a renda média dos brasileiros sem nível superior era de R$ 918 em 2022, a renda média de trabalhadores graduados chegava a R$ 5.108.